domingo, 30 de dezembro de 2018

Reputação Digital, Redes Sociais e a Liberdade de Manifestação do Pensamento.


1. Introdução

Observar-se-á no mundo fenomênico as situações de incidentes digitais que coloquem em exposição à destacada reputação digital das empresas ou pessoas nas redes sociais. Em breve síntese, para o presente artigo se adotará que reputação digital é a boa fama mantida no universo eletrônico ou digital, ou seja, nas redes sociais, sites e aplicativos em que uma empresa ou pessoa natural possa estar exposta, especialmente considerando a sua importância no mundo corporativo e social, assim como os seus efeitos reais.
Sendo um dos dísticos da empresa a sua marca, um bem incorpóreo e intangível, mas salutar para qualquer pessoa jurídica de direito privado, portanto, merece total respaldo legal. Como bem explica Roque (1996, p. 156): “A ‘marca’ é um dos elementos de identificação da empresa. É o nome ou o traço distintivo de um produto ou serviço, de tal maneira que estes fiquem bem identificados. Por exemplo, há diversas marcas de televisores: Sharp, Sanyo, National, Telefunken, Panasonic, CCE. Há também várias marcas de automóveis: Santana, Verona, Monza, Ômega e outras.”
Já a pessoa física tem que cuidar do seu nome, da sua boa fama nas redes sociais, eis que, por exemplo, há relatos de situações em que ataques à reputação a honra de pessoas ocorreu em grupos que sequer a pessoa participava, conforme condenações judiciais já ocorridas por incidentes instaurados em grupos de WhatsApp. No mundo corporativo isso poderá ser desastroso para a instituição.

2. Fundamentos

O presente artigo seguirá caminho dialético empírico, com a observância da legislação aplicável e o estudo de casos narrados pela imprensa, para subsequentes conclusões. Com a devida análise bibliográfica, ainda que se considere o caráter exploratório do artigo, pois não há trabalhos tratando do tema em específico que tem caráter interdisciplinar e transdisciplinar.
Como sabido o Facebook é a maior rede social do mundo, inclusive alguns entendem ser tal rede maior que a própria internet, conforme notícia recentemente divulgada, no site do Jornal o Estado de São Paulo, por Silvestre (2016, s/p): “Não é novidade dizer que o Facebook é a maior rede social do mundo, com mais de 1,5 bilhão de usuários. Para muita gente, ele é maior que a própria Internet! Mas esse erro de análise não é inócuo: ele está causando impactos decisivos na vida de todos nós, e pouca gente parece perceber isso.”
Tal plataforma abre um importante campo de comunicação, sem filtro, para que as pessoas façam críticas a produtos e a serviços que não lhe tenham trazido à satisfação esperada, ou, de outro lado, inclusive lhe tenham causado dano. O que torna a rede social um campo propício para grande exposição dos consumidores e das empresas, colocando em destaque a credibilidade empresarial, transformando a rede social em um “tribunal popular”, por vezes se achincalhando pessoas físicas e pessoas jurídicas, por frustrações ocorridas nas relações de consumo.
De outro lado, ainda vale destacar os incidentes espontâneos em que as pessoas se agridem mutuamente, por assuntos polêmicos como religião, política, futebol e etc. Sejam elas, as envolvidas nas “guerras digitais”, famosas ou não.
Um assunto que ganhou extremo foco em plena Copa do Mundo de 2018 é a situação envolvendo os turistas brasileiros e uma mulher russa, conforme vídeo propagado e que atingiu repercussão mundial. Para quem não acompanhou a situação segue trecho da notícia de A Tribuna (2018, s/p.): “(...) É comum ouvir que o melhor do Brasil é o brasileiro. Em vídeo que viralizou na internet no final de semana, dá pra dizer que nem sempre isso é verdade. Pelo contrário, a atitude de um grupo de brasileiros na Copa do Mundo da Rússia tornou-se vergonha alheia pra todo País após repercutir muito mal nas redes sociais e ser detonada por anônimos e famosos, que usaram a #MachismoNaCopa. Na gravação postada, eles aparecem cantando músicas e dizendo baixarias a uma mulher, ao que tudo indica russa, referindo-se à possível cor do órgão sexual dela. A moça, por não compreender português, interage e brinca com eles.(...)”
Como se sabe, essa notícia rodou o mundo. Isso gerou repercussões na vida dos envolvidos, como perda de empregos, fim de relacionamentos amorosos, apurações administrativas, mal estar nas amizades e etc. Afinal, quando se publica algo, não se sabe a repercussão final que o que fora publicado ganhará.
A liberdade de expressão em nosso ordenamento jurídico tem status de direito constitucional[1]. Permite que o emitente de um pensamento se expresse sem censura. Contudo, como todo direito, a liberdade de expressão não é um direito ilimitado, pelo contrário, todos os direitos, inclusive constitucionais, encontram limites em outros direitos correlatos ou que lhe deem uma estruturação.
Some-se a isso que, a autotutela sempre deve ser vista com ressalvas pelo direito. Não pode o cidadão comum, mesmo que sendo uma pessoa de bem, mesmo que tenha tido um direito vilipendiado por uma empresa começar a fazer direito com as próprias mãos sem limites, criando “normas”, “investigando”, “acusando” e “sentenciando”. Isso é um perigo flagrantemente antidemocrático, sem sombra de dúvidas!
Nesta direção explanou Moraes (1999, pp. 67-68): “A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga.”
Em 2015 o intelectual Eco proferiu as seguintes ponderações sobre as redes sociais, a saber: “Crítico do papel das novas tecnologias no processo de disseminação de informação, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma ‘legião de imbecis’ que antes falavam apenas ‘em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade’.”
Se dê um lado temos a liberdade de expressão (artigo 5º, IV, da Constituição Federal), nas palavras da carta constitucional “é livre a manifestação do pensamento”, na mesma oração, o diploma constitucional sentencia: “sendo vedado o anonimato”. Portanto, uma dicotomia que em nada carrega contradição em termos, apenas um princípio refreando o outro, na mesma frase inclusive. Ademais o inciso V, do artigo 5º, acima informado, trata do direito de resposta e das possibilidades de indenização.
Neste sentido, bem aclara Silva (1994, p. 238), apontando os ônus da liberdade de expressão, ipsis litteris: “A liberdade de manifestação do pensamento tem seus ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí por que a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que corre o direito, também individual e fundamental, de resposta. O art. 5º, V, o consigna nos termos seguintes: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Esse direito de resposta, como visto antes, é também uma garantia de eficácia do direito à privacidade. Esse é um tipo de conflito que se verifica com bastante frequência no exercício da liberdade de informação e comunicação. Importante que a Constituição assume a tese da indenizabilidade do dano moral, problema controvertido na doutrina, mas já razoavelmente estudado.”
O artigo 2º, do Marco Civil, disciplinando o uso da internet no Brasil, tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, assim como outros valores. O inciso II, estabelece que “os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais”. Já o inciso V, preza pela “livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor”. E o inciso VI, elenca “a finalidade social da rede”.
O artigo 3º volta a tratar da liberdade de expressão, conforme caput e inciso I, a saber: “Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; (...)” De outro lado, assim como ocorrido no artigo 2º, inciso V, que trata da proteção do consumidor, o artigo 7º, inciso XIII, volta a tratar do tema: “Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: (...) XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. (...)”
Portanto, nota-se que são dois princípios observados pelo Marco Civil, a liberdade de expressão e a proteção e defesa do consumidor. Também estampado o da livre iniciativa, referendando a importância das empresas, a sua existência e o seu funcionamento. De modo que, os princípios devem aqui ser compatibilizados e conviverem.
Vale frisar também que um dos princípios trazidos pelo Marco Civil foi o da necessidade de educação digital, inscrito nos artigos 26 e 29, do referido diploma. Segundo o artigo 932, I, do Código Civil, os pais são responsáveis pelos atos civis de seus filhos. Portanto, ao postar ou compartilhar algo os adultos são responsáveis pelo que publicam, além de serem responsabilizados pelos de seus filhos menores. Pois pode ocorrer de um menor ofender uma empresa ou seus prepostos pela internet, algo até relativamente usual nos dias atuais.
Destarte, mostra-se o quão a Compliance tem importância ímpar dentro das corporações, mas cujos refluxos saltarão extra muros, efetivando-se a prevenção contra problemas na área do direito do consumidor e digital, além da manutenção da boa imagem da empresa perante terceiros, junto aos seus funcionários e com os órgãos reguladores. Isto é, dignificando a reputação empresarial e suscitando a perenidade da marca.
A temática é polêmica. Tanto haverá os que defenderão o direito da empresa de não ser atacada, ou, ao menos, que a reclamação seja restrita aos limites do problema, assim como alguns entenderão que a manifestação exacerbada também é ilícita, já que não confere direito ao consumidor de usar palavras vulgares ou atacar a honra dos sócios da empresa. Efeitos colaterais do empoderamento dos consumidores nas redes sociais.
Um caso bem evidente de que, a Gestão de Riscos nas redes sociais é fundamental se materializou pela polêmica ocorrida em fevereiro de 2016, no bar Quitandinha, Vila Madalena, em São Paulo, em que a reputação da empresa foi desgastada pela acentuada exposição, conforme notícia que segue: “O bar Quitandinha divulgou um vídeo com imagens de câmeras de segurança do estabelecimento da Vila Madalena, na Zona Oeste de São Paulo, que supostamente exibe o caso de assédio sexual relatado por uma mulher no dia 5 de fevereiro no Facebook. O vídeo foi publicado na segunda-feira (15) e editado em conjunto com trechos da denúncia, legendas e sem áudio. Veja o vídeo aqui. A mulher relatou em seu post no Facebook que ela e uma amiga foram abordadas por dois homens no bar no dia 4 de fevereiro. Após serem ignorados, eles as teriam xingado e agredido. Ela afirma ter recorrido ao garçom e ao gerente e conta que, ao invés de ajudá-las, os funcionários do bar explicaram que tratavam-se de clientes de longa data e solicitaram que o segurança as expulsasse do local. O post teve mais de 130.000 likes e mais de 40.000 compartilhamentos.”
Independentemente da culpa de lado a lado, o que se tem por certo é que a situação não foi gerida da melhor forma, por todos os envolvidos, expondo a reputação do estabelecimento comercial.
Como se pode notar de um caso relatado no Conjur, matéria assinada por Rover (2013, s/p), tratando como exercício regular de direito a prerrogativa dos consumidores poderem reclamar: “O consumidor que foi prejudicado por uma empresa pode publicar queixa na internet em sites de reclamações, inclusive sendo ‘aceitável seu exacerbado inconformismo e até mesmo certa exasperação de linguagem’. Além disso, o site que oferece este tipo de serviço não possui responsabilidade civil por danos morais decorrentes da inserção pelo usuário, em sua página virtual, de matéria ofensiva à honra de terceiro.”
Desta maneira, criar uma mentalidade de ética digital é crucial! Ensinar aos jovens a criar uma reputação digital é elementar. Pois muitas empresas contratam considerando os perfis das pessoas nas redes sociais, antes da contratação. Além de termos nossas redes sociais monitoradas, antes, durante e depois de eventual relação contratual. Entende-se que, como parte do contrato de trabalho ou parceria o indivíduo também vincula o seu perfil social pessoal, ainda que distinto do da corporação a que está agregado. De fato estamos muito expostos, conforme o chamado Big Data.
Nessa levada, o homem é um ser ético. E a dignidade da pessoa humana sempre deve ser o centro das atenções. Com essa observação pontuaram Rocasolano e Silveira (2010, p. 35): “Pode-se afirmar, destarte, que o ser humano não se limita a viver uma vida casual e determinada apenas pelos processos naturais; o homem constrói a sua própria história, fruto das suas constantes decisões histórico-seletivas. Enfatiza-se a ideia do ser humano como ente que é e que deve ser, consciente dessa dignidade. É precisamente da autoconsciência acerca de sua dignidade que surge o conceito de pessoa, segundo o qual o homem não é homem apenas porque existe, mas pelo significado que adquire sua própria vida.”
Interessante notar que, a ética está em total antagonismo com a corrupção. Um grande mal do país, arraigado fortemente em nossa cultura. Já antevendo os escândalos da Lava Jato e correlatos, assim bem detalhou Lucca (2009, p. 364), fazendo referências a outro autor: “A verdade é que a chamada retórica do poder já enfastiou a todos. Ninguém suporta mais o descalabro ético da sociedade brasileira. A classe empresarial – diz-nos, com propriedade o escritor e empresário Mario Ernesto Humberg – possui a grande responsabilidade de liderar a mudança ética no País, mostrando que a ‘roda do futuro começa a girar de forma diferente’, e asseverando que alguns empresários ‘já estão sensibilizados para essa necessidade de adotar princípios éticos nos seus negócios e estão assumindo essa responsabilidade.’”
Especificamente sobre eticidade digital expuseram Freitas, Whitaker e Sacchi (2006, p. 16), deste modo: “Isso significa que as altas heranças das empresas devem estar empenhadas em se atualizar e assessorar-se para estabelecer um processo de comunicação em suas organizações, tendo em vista essa nova ordem instalada na sociedade atual, geradora de tantas inovações. Inovações não somente de ferramentas colocadas à disposição de todos (a informação, por exemplo, hoje não é privilégio de alguns, está disseminada por toda parte), mas também inovações provocadas na pessoa: em diretores, acionistas, colaboradores, concorrentes, fornecedores e clientes das empresas. Deve haver um esforço de aperfeiçoamento contínuo, estruturado pelas altas lideranças das empresas, direcionado a todos os seus stakeholders. Isso exige constante e permanente atenção com a conotação ética das atitudes das pessoas.”
De uma análise acurada se nota que, a eticidade digital auxiliária a resolução de dilemas, notadamente nas relações de consumo, no Facebook, nas redes sociais de um modo geral, como tratado por aqui. Duelando estarão o direito a manifestação do pensamento frente o respeito à reputação digital da empresa ou das pessoas comuns.
Já houve casos de condenação por compartilhamento e curtidas no Facebook. No próximo caso, ora acostado, uma cliente de uma clínica veterinária acusou a médica, indevidamente, como se observa de notícia do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2015, s/p), sendo que, o tribunal entendeu que tal crítica foi abusiva e ela foi condenada a pagar indenização por danos morais, como se nota: “Uma mulher, moradora de Campinas, pagará R$ 8 mil de indenização a uma clínica veterinária e uma médica por danos morais. A decisão é da 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP. De acordo com os autos, a cadela de estimação da ré apresentou sangramento após uma cirurgia de castração, em abril de 2013, e correu risco de morte. Após o episódio, ela publicou na página de seu perfil no Facebook afirmações tidas como injuriosas a respeito do estabelecimento e da médica responsável pela operação do animal. A dona da clínica ajuizou ação indenizatória, cuja sentença determinou o pagamento de reparação de R$ 5 mil pela internauta. O relator Alexandre Marcondes manteve a condenação e elevou o montante da indenização para R$ 8 mil.”
Tudo deve ser efetivado se utilizando de algum critério. No caso, hoje em dia já se fala de direitos humanos de quinta geração, que seriam os direitos digitais. De modo que, também muito se fala de aplicação dos direitos humanos de modo horizontal, inclusive de pessoas físicas para jurídicas e vice-versa. Nesta ordem de ideias, crê-se que um bom parâmetro para solução das situações de conflitos no Facebook, resultem elas em indenizações ou não, deve ter por base o princípio da dignidade da pessoa humana, como pedra angular para se decidir algo sobre o assunto. Sempre se observando as particularidades de caso a caso.
Nesta ordem de ideias é fundamental que as empresas se atentem para a preservação da sua marca, a sua reputação digital, notadamente considerando os valores impregnados na Governança Corporativa, conforme Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (s/d, s/p): “As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.”
Devem as corporações atentar também para o Compliance Digital, como a seguir destacado (UGGERI, 2018, s/p): “A instauração de políticas de Compliance Digital contribui para um ambiente empresarial mais seguro e eficiente, bem como para a construção de relações transparentes com fornecedores e clientes. Além disso, viabiliza a responsabilização subsidiária dos agentes responsáveis por eventuais ilicitudes na utilização do parque tecnológico da empresa. No entanto, é importante destacar que a implementação do Compliance Digital por si só, não é suficiente à proteção da empresa, sendo necessária, ainda, a revisão constante das políticas de controle e análises de riscos por meio de uma fiscalização eficiente.”
Desta forma, de acordo com os auspícios do presente Seminário em Tecnologia da Informação Inteligente, que aborda como temas coligados a Gestão de tecnologia da informação, Gestão do conhecimento, Big Data e Redes Sociais, a intepretação que salta é que se afigura fundamental para as corporações gerirem de forma adequada a reputação digital das instituições, prevenindo incidentes e reprimindo os ocorridos com a pertinente Gestão de Riscos, o Compliance Digital, somados a devida Governança Corporativa Digital, evitando-se desvalorização da marca, como ocorrera recentemente com o Facebook, por exemplo.
Os prejuízos do Facebook atingiram a cifra de bilhões (ROSA, 2018, s/p): “O ano de 2018 não está sendo nada tranquilo para o Facebook. As ações da rede social caíram 24% após o anúncio dos resultados financeiros nesta quarta-feira (25). A desvalorização aconteceu após a companhia mostrar que a base de usuários e receita da rede social cresceram de forma mais lenta que a esperada. As ações, que chegaram a subir até 23% neste ano, caíram para US$ 201,40 após a empresa anunciar que investimentos significativos gerariam lucros apenas no próximo ano. Caso a baixa na cotação dos papéis seja confirmada nesta quinta-feira (26), mais de US$ 150 bilhões serão eliminados do valor total da rede social, e a riqueza de Mark Zuckerberg, fundador e CEO, cairá para US$ 17 bilhões.”
Urge que, pessoas físicas e jurídicas desenvolvam a necessária Educação Digital, para que na Sociedade da Informação sejam geridos os nossos dados de uma forma inteligente, portanto, blindando-se a reputação digital.
Como advertiu Severino (2014, p. 264), a importância da educação e os juízos de valor moral vêm abraçando à filosofia para se desvendar tais situações: “É por isso que a filosofia continua buscando fundamentar também os nossos juízos de valor moral. Por mais que já saibamos que os valores que embutimos em nossas práticas pessoais cotidianas sejam herdados de nossa própria cultura, recebendo-os através dos processos informais e formais de educação, continuamos desafiados a justificá-los, a fundamentá-los, buscando esclarecer como eles se legitimam e legitimam o nosso agir individual e coletivo.”
Conforme conceitua Pinheiro (2016, p. 527), vislumbra-se como elementar a efetividade da Educação Digital: “Educar na sociedade digital não é apenas ensinar como usar os aparatos tecnológicos ou fazer efetivo uso da tecnologia no ambiente escolar. Educar é preparar indivíduos adaptáveis e criativos com habilidades que lhes permitam lidar facilmente com a rapidez na fluência de informações e transformações. É preparar cidadãos éticos para um novo mercado de trabalho cujas exigências tendem a ser maiores que as atuais.”
De nosso viés, define-se Educação Digital como o conjunto de metodologias que reflitam em ensino e aprendizagem, com o objetivo de transmitir conhecimentos éticos e de cidadania, para o uso e acesso de ambientes digitais, na internet, nos aplicativos, nos programas e demais sistemas informáticos, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e o bem comum.
A necessidade de educação digital já é uma realidade indesculpável! Urge que a sociedade de um modo geral e as corporações não descuide disso, com urgência para ontem! Já que, como não é possível viajar no tempo a gestão das nossas reputações tem que ser pensada de agora em diante, tratada com afinco!

3. Conclusão

Há suficiente legislação aplicável para se mediar os lados dessa contenda, ou seja, eventuais incidentes digitais em que a Reputação Digital é ofuscada nas Redes Sociais. A Constituição Federal, o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor são alguns exemplos. Há lei para aplicar, ou seja, não há lacuna legislativa sobre o assunto em tela. Mas, como ocorre não apenas nessa órbita de tensionamento entre os consumidores e os fornecedores, famosos e pessoas comuns, pessoas físicas e pessoas jurídicas, amigos e amigos, amigos e inimigos, parentes e desconhecidos, assim por diante, os dilemas são corriqueiros, de maneira que, para ajustar lacunas sistêmicas é necessária a utilização de princípios jurídicos.
Normas e sobrenormas a auxiliar o interprete na missão de aplicação do bom Direito. Aqui, no caso em voga, aplicáveis os vetores constitucionais, da liberdade de expressão, da vedação ao anonimato, da livre iniciativa, da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da proteção ao consumidor. Sistemicamente somados e sem antagonismos reais.
Desta forma, a Reputação Digital merece proteção no Direito Constitucional, especialmente considerando a importância da marca, do direito de imagem, da honra e tudo mais interligado atinente às pessoas físicas ou jurídicas. A Liberdade de Manifestação do Pensamento não é um Direito Ilimitado, encontrando ele limites na própria Constituição Cidadã. De outro lado as Redes Sociais, mesmo sendo um campo minado, merecem a devida guarida, ou seja, aplicando-se no campo eletrônico a legislação que vale tanto no campo real quanto no digital.
Valendo, nas redes, aquele ditado chinês que diz que a palavra é de prata, mas o silencio é de ouro. Destarte, vale a premissa: “pense antes de postar!” Para que uma convivência harmônica se efetive inclusive nas redes sociais.
Pelo todo exposto, a Governança Corporativa Digital deve ser observada pelas corporações com o intento de escudar a reputação digital das empresas, com ferramentas de Gestão de Riscos, Gestão de Segurança da Informação, Compliance Digital e demais ferramentas desta seara, notadamente com o intento de preservar a Sustentabilidade Empresarial das instituições, especialmente considerando os riscos a que os gestores e entidades estão expostos nas redes sociais, com a dialética impingida no direito de manifestação do pensamento que, mesmo sendo um direito constitucional, não é ilimitado e gera consequências jurídicas no mundo físico.
O presente artigo é apenas uma coletânea de ideias com espeque nos elementos colhidos e na legislação apontada. Indica que cabem maiores aprofundamentos teóricos para pesquisas subsequentes.

Referências Bibliográficas

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De LUCCA, Newton. Da ética geral à ética empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
FREITAS, Lourdes Maria Silva; WHITAKER, Maria do Carmo; SACCHI, Mario Gaspar. Ética e internet: uma contribuição para as empresas. São Paulo: DVS Editora, 2006.
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ROCASOLANO, Maria Mendez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.
ROQUE, Sebastião José. Moderno curso de direito comercial. São Paulo. 1996.
ROSA, Natalie. Ações do Facebook despencam 24% após resultados financeiros pífios. Canaltech. Atuualização: 26.Jul.2018. Disponível em: https://canaltech.com.br/resultados-financeiros/acoes-do-facebook-despencam-24-apos-resultados-financeiros-pifios-118846/. Acesso em: 06.Out.2018.
ROVER, Tadeu. Cliente prejudicado: Reclamação de consumidor na internet não gera dano moral. Consultor Jurídico. São Paulo: 2013. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-14/reclamacao-exacerbada-consumidor-internet-nao-gera-dano-moral. Acesso em: 27.Mai.2016.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Cortez, 2014.
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 10ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
SILVESTRE, Paulo. Como o Facebook ficou “maior” que a Internet e como isso afeta você. Estadão. São Paulo: 2016. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/blogs/macaco-eletrico/como-o-facebook-ficou-maior-que-a-internet-e-como-isso-afeta-voce/. Acesso em: 24.Mai.2016.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ofensas contra médica e clínica veterinária em rede social geram indenização. São Paulo: 2015. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/institucional/canaiscomunicacao/noticias/Noticia.aspx?Id=25579. Acesso em: 27.Mai.2018.
UGGERI, Karollyne. Compliance digital – os benefícios da implementação. Migalhas. Atualização em: 01.Mar.2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI275349,51045-Compliance+digital+os+beneficios+da+implementacao. Acesso em: 06.Out.2018.


[1] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;”

domingo, 4 de novembro de 2018

COMISSÃO DE DIREITO DIGITAL E COMPLIANCE DA SUBSEÇÃO DE SANTANA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DE SÃO PAULO


COMISSÃO DE DIREITO DIGITAL E COMPLIANCE DA SUBSEÇÃO DE SANTANA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DE SÃO PAULO
FIDALGO, Adriano Augusto[1]

Vive-se na sociedade da informação, por alguns também mais recentemente tratada como a era da pós-verdade em que, as informações influenciam e afetam o cotidiano de todos de uma forma impactante, dada a velocidade fantástica com que as informações se propagam. Deste modo, isso está totalmente atrelado a nosso momento tecnológico, gerando intersecções entre a Segurança da Informação, o Direito, a Comunicação, a Educação, dentre outras áreas, nos campos profissional ou acadêmico.
Ainda que alguém não goste e use pouco a tecnologia, dada a disrupura de padrões instaurada por ela, afetando o convívio interpessoal, negocial e a atuação de órgãos estatais e corporativos, decerto qualquer pessoa é afetada direta ou indiretamente por ela, ou, por tabela, quando alguém próximo a use. Sejam pelo uso do celular que contempla inseridos nele diversos aplicativos, seja pelo uso da internet e das redes socias, seja pelo navegador que lhe conduz no trânsito, seja pelas transações bancárias eletrônicas, seja pelas compras pela internet e etc., enfim, a tecnologia vigora e influencia todo o nosso cotidiano.
Daí decorre uma gama de temas atrelados à tecnologia, tais como: fake news, inteligência artifical, robótica, algoritmos, proteção de dados, direito ao esquecimento, indústria 4.0, drones, veículos autônomos, dentre outros. Tais itens desafiam a atuação do Direito, amparado este no seu cabedal jurídico que se encontram na Constituição Federal, Marco Civil da Internet, Lei Carolina Dieckman, Lei de Direitos Autorais e demais legislação aplicável, de acordo com as repercussões do caso concreto.
Nota-se que, o Direito Digital enxerga a comunicação de tais assuntos com outros ramos do conhecimento, reconhecendo-se a interdisciplinaridade e a transdisiplinaridade dos conteúdos, sendo certo que suscitam alertas, de modo que, todos devem sempre monitorar o dilema ético consistente na missão da tecnologia para que sirva a humanidade, sem que o seu uso seja desvirtuado para que seja utilizado como instrumento de dominação e controle de grupos, tampouco se torne um poder autonomo, como alertara recentemente o finado gênio Stephen Hawking, além de outras autoridades no assunto.
O Direito Digital se apresenta para atuar de modo reativo quando os incidentes digitais já explodiram, motivado por falta de conhecimento ou consciência no uso da tecnologia pela pessoa física, por vezes em razão de que o individuo não foi treinado para tanto, ao passo que, quando se fala de pessoa jurídica ela falha por deficiências em setores que deveriam atuar preventivamente, com amparo na Governança Corporativa, na Gestão de Riscos, na Auditoria e demais controles de gestão para, afinal, estar em Compliance, isto é, cumprindo as normas legais, costumeiras e éticas de dada corporação e país.
Desta forma, a aproximação da Educação Digital e do Direito Digital é inarredável. Assim, desde que assumi a Presidência da Comissão de Direito Digital de Santana, eu, os advogados Membros Efetivos e os profissionais ligados à tecnologia que participam como Membros Consultores temos nos empenhado em criação de material, organização de palestras e demais situações que ajudem as pessoas a incorporarem conhecimentos e valores para o uso saudável da tecnologia, o que continuará até o fim do nosso período de nomeação.


[1] Advogado. Presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da Subseção de Santana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Santana). Especialista em Computação Forense pela Universidade Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho. Autor do Livro: “Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade Empresarial e o Consumidor: Direito Digital”, lançado pela Amazon.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS EM NEGÓCIOS DIGITAIS EUROPEUS E REGULAMENTOS SIMILARES, NA AMÉRICA LATINA. IMPLICAÇÕES LEGAIS.


O Regulamento Geral sobre Proteção de Dados ou GDPR (General Data Protection Regulation), consolidando normas anteriores da Comunidade Europeia, configura um dos mais importantes marcos legais na atualidade, no que tange aos negócios digitais, impactando todos os relacionamentos empresariais que se deem com empresas da Comunidade Europeia ou que armazene dados das pessoas singulares que sejam cidadãos da referida comunidade. Valendo destacar que está em vigor desde maio, deste ano, o aludido nº 2016/679.

Antes de adentrar no assunto de fundo, importante distinguir os tipos de dados pessoais envolvidos (PECK, 2016, p. 485), conforme doutrina:

“Os pontos mais relevantes envolvem, primeiramente, a delimitação clara da distinção entre dados pessoais de natureza cadastral (ligados à identificação do indivíduo), dados sensíveis (relacionados às questões mais íntimas protegidas pela Constituição Federal como origem étnica, racial, a orientação política, sexual, as convicções religiosas, filosóficas e morais, os dados genéticos, e de saúde) e os dados anônimos ou anonimizados (cujo elemento de identificação foi removido ou está ausente).”

Desta forma, como se falará em nível mundial neste curto texto, além de se falar de intimidade e privacidade nas órbitas das legislações nacionais, ou seja, na garantia de direitos fundamentais no plano micro, mas quando se parte para o plano macro se está a tratar de direitos humanos, notadamente amparados em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, em todas as suas dimensões, com a proteção dos seus dados.
Sobre o assunto, destacando a importância da harmonização do tratamento de dados com as liberdades e direitos fundamentais, pontou-se (CORRÊA; LOUREIRO, 2018, s/p):

“O Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, conhecido como Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GPDR), que entrou em vigor em maio, registra, expressamente, a importância fundamental da circulação de dados nas sociedades atuais, para as empresas, associações e entes públicos. Alerta, também, para o aumento exponencial do tratamento de dados pessoais, associado ao desenvolvimento das tecnologias de informação. E aponta para a necessidade de harmonizar a crescente utilidade e conveniência de tratamento desses dados com as liberdades e direitos fundamentais.”

O professor Masseno, a quem reputo ser uma das maiores autoridades mundiais em termos de proteção de dados pessoais, em material disponibilizado (s/d, s/p), elencou alguns elementares princípios de tratamento de dados, o que aqui interessa sobremaneira, como destacado:

“4 – os Princípios do Tratamento dos Dados:
são, apenas, explicitados e identificados (Art.º 5.º n.º 1) :
“licitude, lealdade e transparência” (a)
“limitação das finalidades” (b)
“minimização dos dados” (c)
“exatidão” (d)
“limitação da conservação” (e)
“integridade e confidencialidade” (f)
 estes Princípios não são só linhas orientadoras, pela sua positivização reforçada,articulando-se com as condições delicitude do tratamento (Art.º 6.º)”

Vale trazer à colação aqui um resumo coletado de um guia, da empresa Sage, maior empresa do mundo fornecedora de sistemas de gestão empresarial para pequenas e médias empresas (2017, p. 05), que destaca os direitos das pessoas singulares e sua sensibilização, historiando inicialmente com a Diretiva que vigorava antes do Regulamento, a saber:

“Os direitos das pessoas singulares e sua sensibilização
A legislação em vigor na UE sobre a proteção de dados (Diretiva 95/46/CE) confere às pessoas singulares direitos sobre os seus dados pessoais e descreve quais as informações que têm de lhes ser facultadas pelas empresas, designadamente acerca da finalidade a que esses dados pessoais se destinam. É frequente estas informações serem facultadas através de declarações ou notificações de privacidade disponibilizadas num site.
O RGPD expande significativamente o seu âmbito de aplicabilidade, estabelecendo direitos adicionais que têm de ser novamente comunicados às pessoas singulares. Em especial, as pessoas singulares têm de ser informadas de que têm os seguintes direitos (lista meramente indicativa):
1. apresentar uma queixa junto das autoridades de controlo, como a CNPD em Portugal;
2. retirar o consentimento para o tratamento dos respetivos dados pessoais (ver abaixo);
3. aceder aos respetivos dados pessoais, bem como solicitar a sua retificação ou eliminação (o “direito a ser esquecido”) às empresas ou a quaisquer terceiros que a eles tenham tido acesso;
4. ser informado da existência de qualquer tratamento automatizado de dados pessoais (incluindo a criação de perfis);
5. opor-se a certos tipos de tratamento, como marketing direto e decisões baseadas apenas no tratamento automatizado;
6. ser informado sobre o período de retenção dos dados pessoais;
7. ser informado sobre a identidade e contactos de qualquer Encarregado de Proteção de Dados (ver abaixo). Além disso, as pessoas singulares têm o direito de recorrer a organizações sem fins lucrativos para fazerem valer os seus direitos e interporem ações judiciais em seu nome, semelhantes às ações coletivas nos Estados Unidos.”

Sobre a obrigação das empresas notificarem as Autoridades Supervisoras, assim destacou Moreira (2017, s/p):

“Outra obrigação instituída na GDPR é a de que, frente a um evento de vazamento de dados, capaz de gerar risco às pessoas, a entidade/empresa responsável deverá, em até 72 horas contados da ciência deste fato, notificar a Autoridade Supervisora competente (cada Estado membro indicará uma autoridade para fiscalizar a aplicação da GDPR e receber esse tipo de comunicação). Da mesma forma, deverá notificar o quanto antes as próprias pessoas acerca desse acontecimento, mantendo uma comunicação transparente com as partes envolvidas.”

Sobre leis de proteção de dados pelo mundo, cumpre trazer a colação informações de Agência Brasil (VALENTE, 2018, s/p), compilando alguns países a título demonstrativo, como Estados Unidos, Chile e Argentina:

“(...) Os Estados Unidos também são referência mundial. Não pela existência de uma lei geral, mas pela legislação fragmentada. A Lei de Privacidade de Comunicação Eletrônica (ECPA, na sigla em inglês), de 1986, proíbe a interceptação de mensagens telefônicas ou eletrônicas (como e-mails) e garante a segurança de informações tanto durante a transmissão quanto no armazenamento, inclusive em computadores. (...)

(...) Diversos países têm legislações de proteção de dados na América Latina, como Chile, Argentina, Uruguai e Colômbia. A lei chilena, de 1999, limita o uso dos dados ao propósito informado no ato da coleta, com a exceção de registros tornados públicos. Ela garante aos titulares o direito a acessar as informações de posse de alguma empresa, corrigi-la ou eliminá-la se o armazenamento não respeitar as exigências da Lei ou o tratamento for concluído.
A lei prevê a responsabilização de empresas controladoras de dados em caso de prejuízos aos titulares, com sanções definidas pela Justiça. O texto estabelece algumas diferenças para o Poder Público, limitando o tratamento de dados ao previsto na lei e impedindo divulgação de informações sobre condenações depois de prescreverem. (...)

‘Na Argentina, a Lei de Proteção de Dados Pessoais foi aprovada em 2000. Ela regula bases de dados públicas e privadas, estabelecendo como princípio o uso limitado à finalidade para a qual foram obtidos. O tratamento está condicionado ao consentimento do titular, que deve ser livre, expresso e informado. Essa autorização não é exigida nos casos de bases públicas, no cumprimento de uma obrigação legal, no exercício de funções próprias do Estado e quando as informações se limitam a nome, identidade, profissão, data de nascimento e endereço.
As empresas são obrigadas a atualizar dados incompletos e errados. Não podem manter registros após o término da atividade para a qual foram coletados. Os entes responsáveis pelo tratamento também devem garantir o acesso dos titulares às suas informações. Mas é permitido o repasse de dados a terceiros desde que cumpram um “interesse legítimo” do ente que os estão cedendo. Já órgãos públicos têm regras especiais, como o direito de negar o acesso, a correção e a supressão das informações. Também há menos obrigações no caso de segurança nacional ou segurança pública.’”

No Brasil, na semana passada foi aprovada a Lei de Proteção de Dados, com a pendência de uma Agência Nacional de Proteção de Dados, destacando brevemente o portal Olhar Digital (GUSMÃO, 2018, s/p):

“Foi aprovada por Michel Temer, nesta terça-feira, o PLC 53/2018 que estabelece a lei geral de proteção de dados (LGPD) brasileira. Com a assinatura do presidente, as empresas que processam dados no Brasil terão 18 meses para se adaptar à lei. Mas você sabe o que muda com ela?
De forma resumida, a legislação nacional vai exigir que as companhias mudem a forma como lidam com as informações de seus usuários. "A LGPD estabelece três figuras principais durante o tratamento de dados: o titular, o controlar e o operador", explicou Vanessa Lerner, advogado especialista em direito digital da Dias Carneiro Advogados. "Em sua essência, a lei não é nada mais do que um conjunto de direitos e obrigações dessas três partes em diferentes momentos, que gera uma rede capaz de proteger a privacidade e a autodeterminação dos titulares de dados pessoas no Brasil.
Patrícia Peck, também advogada especialista em direito digital, resumiu as mudanças: as companhias precisarão de consentimento das pessoas antes de poderem mexer com seus dados, terão que fazer de forma transparente e serão obrigadas a garantir a segurança de tudo que armazenam e processam.”

Assim, ter-se-á melhores subsídios para o enfrentamento de situações como o vazamento de dados enfrentados no mundo, como por exemplo, pela Uber, em 2016[1]. Ou o vazamento de dados Netshoes, no Brasil, em 2018[2]. O famoso ataque sofrido pela TARGET[3]. E o recente episódio do Facebook[4], com a Cambridge Analytica, com o superveniente pedido de falência desta e a perda de bilhões por aquela.
No Brasil temos duas situações curiosas em andamento.
A primeira, em que farmácias estão comercializando dados atrelados ao CPF de clientes (LUIZ, 2018, s/p), o que está sendo investigado pelo Ministério Público:

“O Ministério Público do Distrito Federal iniciou uma investigação para apurar se redes de farmácias do país estão repassando ou vendendo dados sigilosos de clientes, após exigir o CPF deles em troca de desconto. A suspeita é de que a lista de compra de cada consumidor esteja sendo divulgada para empresas de planos de saúde e de análise de crédito, em uma espécie de mercado paralelo.”

A segunda, quase foi leva a efeito, se não fosse a participação da Ordem dos Advogados do Brasil e órgãos de proteção ao consumidor (G1, 2018, s/p):

“O governador Márcio França (PSB) determinou a revogação da portaria da Imprensa Oficial que possibilitava empresas a se credenciarem para contratar o serviço de certificação online de identidade de indivíduos com base em dados biográficos e impressão digital. O Sistema de Dados Biométricos foi lançado em março durante a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).
Márcio França negou nesta quarta-feira (13) que o governo paulista faça a venda de informações sigilosas de identificação da população incluídas no cadastro do RG, como a digital, para empresas. Em entrevista em Santos, no entanto, o governador não descartou a possibilidade de o sistema ser usado por particulares.”

Como se nota, o Regulamento Geral de Proteção de Dados Europeu é um modelo que se espraiou e se espraia pelo mundo todo, inclusive com a exigência de que todas as empresas e países também se adaptem para que as relações mantidas com os países europeus se consolidem de modo legal.
Desta forma, os dados dos consumidores/cidadãos devem ser respeitados. Os dados devem ser salvaguardados, gerando-se diversas novas obrigações às empresas, como: escopo de aplicação, autorização para o tratamento de dados, o uso por determinado espaço de tempo, a correção e exclusão de dados quando solicitada rogada pela pessoa interessada, a imediata notificação obrigatória em caso de incidentes de segurança envolvendo dados e assim como outros importantes itens.
A novel Lei Brasileira – 13.709/18 – traz além de toda essa influência do RGPD, alguns itens que se entende como pilares da lei, quais sejam: a) criação de uma Autoridade Nacional para acompanhamento da aplicação da lei, ainda pendente; b) a obrigação de responsável legal dentro das corporações sobre os dados, inclusive com a gestão frente a empresas terceirizadas; c) multa de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica no seu último exercício, limitada a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), por infração.
Com as rápidas mudanças tecnológicas as normas terão que ser atualizadas, eventualmente, de tempo em tempos, mas é importante que carreguem esse caráter principiológico que pode ter uma estrutura mais duradoura, com plena antevisão do porvir negocial.
Destarte, espera-se que, os países evoluam com a legislação específica, respeitando-se os dados das pessoas, bem como, a sua consequente dignidade da pessoa humana, respeitando-se as suas intimidades e privacidades, dentro do que se pode ser considerado razoável e proporcional.

Adriano Augusto Fidalgo. Advogado. Auditor Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco. Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. MBA em Auditoria pela Universidade Nove de Julho. Presidente da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da OAB/Santana. Especialista em Computação Forense pela Universidade Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho, na Linha de Pesquisa: Educação, Filosofia e Formação Humana. Membro Efetivo da Comissão Especial de Educação Digital da OAB/SP. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da OAB/SP. Membro das Comissões de Direito do Consumidor, CONSEG e OAB vai à Escola, da Subseção da OAB/Santana. Certificações em Tecnologia da Informação pela ITCERTS, do Canadá, nos cursos de Ethical Hacking Essentials, Information Security Policy Foundation e Infosec Foundation. Certificado pelas Academais do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e World Intelectual Property Organization (WIPO) no Curso Geral de Propriedade Intelectual. Certificações em Fundamentos da Gestão de TI, Ética Empresarial, Processo de Comunicação e Comunicação Institucional, todos pela FGV. Articulista nos Portais TI Especialistas, Direito & TI, Profissionais TI, Yes Marília, Jurisway, Jusnavigandi e Administradores. Palestrante e Pesquisador.



REFERÊNCIAS

CÔRREA, Adriana Espíndola; LOUREIRO, Maria Fernanda Battaglin. Novo regulamento europeu é reforço na proteção dos dados pessoais? (Parte 1). CONJUR. Atualizado em: 09.Jul.2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-09/direito-civil-atual-regulamento-europeu-ereforco-protecao-dados-pessoais. Acesso em: 18/08/18.

GUSMÃO, Gustavo. O que muda com a lei de proteção de dados brasileira aprovada por Temer. OLHAR DIGITAL. Atualizado em: 14.Ago.2018. Disponível em: https://olhardigital.com.br/pro/noticia/o-que-muda-com-a-lei-de-protecao-de-dados-brasileira-aprovada-por-temer/77329. Acesso em: 18/08/18.

G1. Governo de SP revoga portaria que possibilitava empresas contratarem serviço com dados da população. Atualizado em: 14.Jun.2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/governo-de-sp-revoga-portaria-que-possibilitava-empresas-contratarem-servico-com-dados-da-populacao.ghtml. Acesso em: 19/08/18.

LUIZ, Gabriel. CPF em troca de desconto: MP investiga venda de dados de clientes por farmácias. G1. Atualizado em: 16.Mar.2018. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/cpf-em-troca-de-desconto-mp-investiga-venda-de-dados-de-clientes-por-farmacias.ghtml. Acesso em: 19/08/18.

MASSENO, Manuel David. Regulamento Geral sobre Proteção de Dados: alguns tópicos fundamentais. IBEJA. Sem data. Disponível em: http://ipbeja.academia.edu/ManuelDavidMasseno. Acesso em: 18/08/18.

MOREIRA, André de Oliveira Schenini. A lei de proteção de dados pessoais da União Europeia (GDPR) e sua aplicação extraterritorial às entidades e empresas brasileiras. MIGALHAS. Atualizado em: 24.Out.2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267772,81042-A+lei+de+protecao+de+dados+pessoais+da+Uniao+Europeia+GDPR+e+sua. Acesso em: 19/08/18.

PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2016.

SAGE. Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (RGPD): Guia prático da SAGE para empresas. 2017. Disponível em: https://www.sage.pt/~/media/markets/pt/rgpd/images/GuiaPratico_GDPR.pdf. Acesso em: 19/08/18.

VALENTE, Jonas. Legislação da proteção de dados já é uma realidade em outros países. AGÊNCIA BRASIL. Atualizado em: 07.Mai.2018. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-05/legislacao-de-protecao-de-dados-ja-e-realidade-em-outros-paises. Acesso em: 19/08/18.


[3] Disponível em: https://meiobit.com/274508/hackers-roubam-dados-40-milhoes-cartoes-target/. Acesso em: 19/08/18.
[4] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/cambridge-analytica-registra-pedido-de-falencia-nos-eua-apos-escandalo-com-facebook.ghtml. Acesso em: 19/08/18.